03
Jun
2020

POR QUE OS PROCESSOS PARECEM DEMORAR TANTO?

POR QUE OS PROCESSOS PARECEM DEMORAR TANTO?
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Um dos mais frequentes questionamentos de quem precisa procurar o Poder Judiciário para resolver uma questão é o tempo. Muitas vezes a solução de um problema, quando necessário entrar em juízo, pode levar anos, fato que causa estranheza para a população em geral, não acostumada com o processo, seus ritos, exigências e também com sua morosidade.

Não surpreendentemente, pois a demora para finalização de um processo é fator que incomoda inclusive os técnicos do direito. No entanto, sabemos que, para quem não está acostumado com a questão, a demora gera uma série de estranhezas, insatisfações, angústias e até, por vezes, desconfianças. É verdade que o tempo exigido no julgamento de um processo não corresponde às expectativas de seus jurisdicionados, ou seja, de quem deles precisa e gostaria de poder contar com maior agilidade.

Por essa razão, decidimos explicar um pouco do funcionamento do trâmite processual e o tempo necessário para seu andamento e resolução. O que é normal, o que não é e o que esperar ao procurar o judiciário. Além disso, procuramos informar algumas maneiras para contornar ou minimizar o problema, como técnicas de aceleração do processo ou de atendimento das necessidades urgentes, visando assegurar a utilidade da solução final.

No presente artigo trataremos dos processos cíveis, ou seja, relações entre particulares, haja vista que os processos criminais, trabalhistas e tributários seguem um rito diferente.

PROCESSO DE CONHECIMENTO E PROCESSO DE EXECUÇÃO

A temática do tempo demandado para a resolução de uma ação judicial e prática dos atos exigidos no andamento processual requer a divisão de um processo em dois grupos gerais (ressalvando a existência e as particularidades de alguns procedimentos especiais): aqueles denominados como “de conhecimento” e os processos/procedimentos “de execução”.

Para explicar, podemos dizer que a divisão é pautada no nível de reconhecimento direito buscado. A organização da sociedade não permite ao particular, geralmente, usar de sua própria força para obrigar outrem a agir conforme sua vontade, mesmo sendo ela legítima. Porém, essa “vontade legítima” que existe no convencimento do indivíduo precisa ser reconhecida pelo Judiciário como um direito a fim de que o Estado, então, promova as medidas de coerção necessárias para sua realização ou efetividade.

Em alguns casos, o direito já se presume existente e reconhecido, sem a necessidade de assim o declarar o Juiz, sendo possível promover os procedimentos de execução, as medidas para concretização daquilo desejado pelo indivíduo. A economia de tempo, nessa hipótese, é enorme, porque dispensada toda a fase inicial exigida quando o direito ainda precisa ser constituído ou declarado pelo Estado. No entanto, por vezes o interesse a ser tutelado ainda precisa ser admitido como legítimo pelo judiciário, aí surgindo a necessidade de promoção do “processo de conhecimento”.

Por exemplo, se duas pessoas celebraram um contrato escrito, obrigando o indivíduo “B” a pagar determinado valor para “A” pelos serviços prestados e esse documento contém a assinatura de duas testemunhas, a lei permite, em tese, que “A” procure o judiciário sem precisar que o Juiz afirme ser devido o pagamento por “B”, pois nessa hipótese o Código de Processo Civil reconhece que o próprio contrato já é o suficiente para presumir-se o direito de “A” em receber. Diz-se, aí, que o documento do contrato constitui “título executivo extrajudicial” Porém, se “A” e “B” apenas combinaram verbalmente, ou até por “whatsapp”, a prestação de serviço e o pagamento, será necessário que, primeiro, o direito de “A” seja reconhecido pelo Poder Judiciário, por meio do processo de conhecimento, antes de ser permitida a aplicação das medidas coercitivas pelo Estado, obrigando “B” a pagar.

Daí surgem duas conclusões. Primeiramente, sempre que possível, é recomendado aos interessados na realização de negócios buscar reduzi-los a termo, ou seja, escrever e documentar o combinado, de forma precisa, procurando colher assinaturas ou realizar outras formalidades exigidas em lei para que o interessado em, eventualmente, exigir o cumprimento da obrigação, já possua o “título executivo extrajudicial” (os documentos que constituem títulos executivos extrajudiciais podem ser consultados no artigo 784 do Código de Processo Civil). Em segundo lugar, não havendo título executivo judicial, será necessário promover o processo de conhecimento e aqui importa explicar, em linhas gerais, as principais fases de seu trâmite e o tempo consumido.

Quando o direito não é presumidamente reconhecido, será necessário que reste demonstrado no bojo de um processo judicial e, então, o reconheça o Judiciário. Contudo, a todo direito corresponde um dever e, geralmente, todo titular de um direito não efetivado possui um devedor, a quem o direito assegura a oportunidade de defesa, antes de reconhece-lo como tal. É a ideia trazida pelo comentado “Direito ao Contraditório e Ampla Defesa”, bastante abrangente no processo de conhecimento. Vejamos, então, como ele funciona e como (ás vezes) ele pode demorar.

COMO FUNCIONA UM PROCESSO JUDICIAL

Nos processos comuns, o ingresso em juízo depende de atuação do advogado[1], que vai reunir as provas eventualmente já existentes sobre a situação narrada pelo cliente e relatá-la ao juiz, no que chamamos de “petição inicial”. Ela é protocolada, hoje em dia, por meio eletrônico (na internet) e quando distribuída para alguma vara (enviada ao juiz ou aos juízes adequados) começa o processo.

Em alguns dias, ou até algumas semanas, a petição inicial será lida pelo Juiz e, estando o processo em ordem, será determinada a “citação” da parte contrária, da pessoa contra quem se dirige a pretensão do Autor. É pela citação que essa pessoa, então denominado “réu” ou “requerido”, vai tomar ciência da existência do processo contra ela e de seu conteúdo. Por vezes a citação pode demorar, pois costuma ser feita por meio do envio de correspondência entregue ou pelos correios, ou pelo “oficial de justiça”.

Nos dois casos, a comprovação de que o réu recebeu a citação é feita por um documento, que pode ser o “AR – Aviso de Recebimento” ou a certidão formulada pelo oficial de justiça. Só quando esses documentos forem juntados, incluídos no processo, é que passará a correr o prazo para a adoção da próxima providência. A depender do local e da data, entre a distribuição da petição inicial (começo do processo) e o início desse prazo, podem passar vários dias, meses ou anos, até que o réu seja localizado.

 De todo caso, depois dessa providência, duas coisas podem ocorrer: ou será realizada audiência para tentativa de resolução consensual do conflito (acordo), ou começará a fluir o prazo para resposta ou defesa do réu, a contestação. Se ocorrer a audiência e esta não resolver o problema, o prazo para contestação começará a fluir apenas a partir de sua realização.

Aqui, pode haver alguma demora na realização da audiência, pois existem no Brasil, atualmente, muitos processos e poucos servidores e estrutura para dar conta de todos, podendo haver necessidade de se esperar algum tempo até que exista horário disponível para a tentativa de acordo. É parecido com tentar agendar uma consulta médica.

Ainda, havendo ou não a audiência de conciliação, se não houver acordo, será necessário aguardar o prazo para apresentação da defesa pelo réu. Este é, na maioria das vezes, de 15 dias úteis. Quando há feriado, ou no período do final do ano, o prazo pode se alastrar bastante, sendo possível que chegue a demorar quase dois meses. Até aqui, se contarmos os períodos entre distribuição da ação, manifestação do juiz, citação, realização de audiência e oportunidade de defesa, poderão ter se passado 4 meses, ou mais.

Ainda, apresentada a contestação, se o réu se opor à pretensão do autor e os interesses deste não estiverem bem comprovados no processo, seja por falta de provas disponíveis na petição inicial, seja porque o réu apresentou alguma prova colocando em dúvida o direito, iniciará, conforme os critérios de decisão do juiz do caso e as particularidades da hipótese, a fase de instrução processual. Instrução processual é, em linhas gerais, a fase de produção de provas, que podem consistir na oitiva de testemunhas ou realização de perícia técnica, por exemplo.

Como, para começar a produção de provas, é necessária análise cuidadosa do caso, antes da instrução ser determinada será oportunizado aos envolvidos que se manifestem, indicando como desejam demonstrar sua versão dos fatos e, por vezes, as questões entendidas por eles como importantes para resolver a controvérsia, demandando algum tempo para isso (geralmente, 5 dias úteis). Depois disso, o juiz irá se manifestar em decisão que chamamos de “saneadora do processo”, bastante complexa e trabalhosa, também podendo demorar para ser proferida.

É preciso destacar que, entre a realização dos atos pelas partes interessadas (apresentação de contestação, manifestação sobre provas, etc.), leva algum tempo para decisão pelo juiz. Como explicamos sobre a audiência de conciliação, o judiciário brasileiro tem muito serviço e poucos servidores e infraestrutura, proporcionalmente, precisando o processo “esperar a vez dele” para ser apreciado, entrando em uma espécie de “fila”, obedecendo a ordem em que ocorreram a manifestação, porque fere a garantia de igualdade entre as pessoas que o processo de alguns passe na frente do processo de outros, fora das hipóteses de urgência e prioridade previstas em lei.

A proibição de “furar fila”, o tempo garantido para manifestação pelos interessados e a variedade de atos processuais que podem ser praticados em um processo pode levar à espera de até um ano entre seu início e o começo do processo e o início da fase de produção de provas. Além disso, conforme a prova pretendida ou necessária, será preciso esperar ainda mais até a decisão judicial decidindo o pedido como procedente (reconhecendo o direito do autor), parcialmente procedente (reconhecendo em partes o direito do autor) ou improcedente (não reconhecendo o direito do autor).

Se a prova realizada consistir na oitiva de testemunhas, a tendência é que a conclusão da fase de instrução demore menos, acaso o número de testemunhas seja razoável e todas elas residam em locais próximos de onde corre o processo e sejam encontradas para depor em juízo. Por outro lado, consistindo a prova em perícia técnica[2], provavelmente será necessário dispender tempo maior, seja pela própria complexidade da perícia, seja pelo número de vezes que a lei permite às partes interessadas manifestação sobre a prova pericial, com possibilidade de impugnação, solicitação de complementos ou, até, de requerimento de nova perícia.

 Não é possível precisar com segurança e uniformidade qual o tempo demandado pela fase de instrução, podendo variar entre um mês, seis meses, ou, até, mais de um ano. De todo caso, é certo que, a rigor, uma vez finalizada a produção de provas, o processo entrará novamente “na fila” para decisão judicial que, finalmente, será um pronunciamento reconhecendo ou não a pretensão do autor. É a chamada “sentença”.

Parece que, aqui, o problema foi enfim resolvido, certo? Não necessariamente.

Uma das maiores críticas formuladas pela sociedade ao judiciário atualmente é a quantidade de recursos admitidos sobre as sentenças e a demora no julgamento de alguns, dirigida, no cenário atual, principalmente para os processos que envolvem a apuração de crimes, vide a discussão sobre a possibilidade de prisão ou não em segunda instância. Apesar de estarmos tratando, aqui, de processo civil, a ideia se aplica de forma parecida.

Isso porque, para o início seguro da prática dos atos coercitivos pelo Estado para a satisfação do direito do autor, exige-se a ocorrência do que, no direito, chamamos de “coisa julgada material” e “trânsito em julgado” da decisão. Em outras palavras, é preciso que sobre o assunto decidido não caiba mais a interposição de nenhum recurso, seja porque já tentados pela parte contrária todos aqueles cabíveis, seja porque decorrido o prazo para a interposição sem a manifestação do interessado.

Em regra, o recurso cabível para discutir a sentença de 1º grau é o recurso de “apelação”. Por meio dele, é possível debater de novo a matéria de direito e de fato levantada no processo e, em razão da amplitude de poderes conferida ao Tribunal responsável pelo julgamento, há boas chances de que a decisão proferida pelo primeiro Juiz do processo seja alterada.

A sentença, na primeira instância, é proferida por um único juiz, já o julgamento da apelação, na segunda instância, cuja decisão é chamada de “acórdão”, será proferida por três juízes, que deverão chegar a um consenso com relação ao caso.

Em razão disso, o Código de Processo Civil confere, na maioria das vezes, ao recurso de apelação, o “efeito suspensivo automático”. É dizer, se a parte interessada em modificar a sentença lançada interpuser o recurso de apelação, como regra tudo que foi estabelecido na primeira decisão não poderá ser aplicado, ficará com a eficácia, ou seja, a aptidão para produzir efeitos, suspensa. Por exemplo, se na sentença o juiz reconheceu que “B” deverá pagar para “A” o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e “B” apresentar o recurso de apelação, sua obrigação em efetuar o pagamento ainda não será exigível, como regra, simplesmente porque interpôs o recurso.

Daí, a demora na confirmação ou não da sentença, em grau recursal, dependerá do número de recursos cabível no caso concreto e da sorte do volume de serviço existente nos Tribunais aos quais forem dirigidos. Pode ser que entre a sentença e a formação de “coisa julgada material” ou do “trânsito em julgado da decisão”, tornando exigível o seu cumprimento, de forma definitiva, demore 15 dias úteis. Pode ser que demore 6 meses. Pode ser que demore 2 anos.

Em conclusão, é inegável que, quando um processo judicial passa por todas as fases previstas como possíveis pelo Código de Processo Civil, entre seu início e a possibilidade de o interessado finalmente exigir seu direito, o tempo decorrido será extenso e não corresponderá às expectativas de seus participantes, mas isso, em regra, não ocorre por má-fé ou má vontade de ninguém. É difícil conciliar o direito de defesa, a necessidade de exposição e debate da questão para que a decisão judicial seja de qualidade e atenda aos interesses das partes, bem como a falta de estrutura do judiciário brasileiro e o volume de processos, com a celeridade/rapidez na solução dos conflitos. Da mesma forma, é impossível dizer que a demora não configura um enorme transtorno e empecilho para o funcionamento pacífico da sociedade ao qual o direito deve servir de instrumento.

O Eminente Jurista Ruy Barbosa escreveu, em discurso para os formandos de direito da Faculdade do Largo de São Francisco, desde o ano de 1920, sobre o problema. Ficou então conhecida a valiosa lição de que “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Apesar das muitas dificuldades, o processo civil está atento ao problema e, a partir de sua terceira onda de renovação, reconheceu a necessidade de preocupar-se com a efetividade das decisões judiciais, nela inserindo-se a maior rapidez para satisfação dos direitos.

Relatamos, em apertada síntese, todas as fases do trâmite processual, porque acreditamos que conhecer a realidade e ajustar as expectativas também é um direito dos jurisdicionados, em sua maioria leigos sobre o assunto. A segurança necessária para administrar os conflitos não anda dissociada da confiança em seu procedimento e em todos os envolvidos, sendo impossível confiar naquilo que se desconhece e se afasta da garantia de paz que se espera.

O tema da demora é complexo, mas soluções existem, desde que sejam aplicadas com zelo e diligência. Apesar das inúmeras dificuldades, nos traz esperança ver que diversos operadores do direito, juízes, advogados, serventuários, promotores, funcionários e estudiosos, empenham-se vigorosamente para prestar os serviços judiciais da melhor forma possível, conscientes do impacto da atividade a eles incumbida.

Mesmo na sociedade atual, de consumo em massa, contratação em massa e conflitos em massa, acreditamos que ainda é possível usar da boa-técnica e boa vontade para devolver ao direito a aptidão de cumprir seu mister como pacificador social. Por isso, concluímos esta tentativa de aclaramento com uma frase do jurista Louk Hulsman, ao contar um pouco de sua história de vida na construção de importantes teorias críticas do direito:

“Aprendi muito cedo – e esta foi uma das grandes descobertas da minha vida – que, mesmo de postos bem modestos, é possível sacudir as burocracias, desde que, naturalmente, haja um empenho profundo e se esteja bem preparado tecnicamente”.

Esperamos, em tempo e de qualquer posto, que a coragem de olhar criticamente os problemas, o empenho em solucioná-los e a busca pelas boas técnicas e pelo bom uso das boas técnicas, possa contribuir para um direito mais justo e efetivo, sem esquecer-nos de que, mais que papéis, peças, decisões e leis, o trabalho jurídico é um trabalho com pessoas - e para pessoas. E isso deve ser motivo suficiente para entregarmos sempre o melhor.

Em breve trataremos das medidas judiciais existentes para obter decisões de forma mais rápida e assegurar que a demora no andamento dos processos não prejudique o direito dos jurisdicionados. Fiquem atentos!

 

Artigo elaborado por Ana Clara Milanese Farah, advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil sob o nº 443.342, integrante do escritório Francisco Carvalho Advogados.

 

[1] Os processos movidos nos Juizados Especiais Cíveis, cujo valor da causa não supere vinte salários mínimos, podem ser interpostos sem a atuação de um advogado.

[2] A perícia técnica é necessária nas hipóteses em que, para a solução do conflito, sejam necessários conhecimentos técnicos que o juiz da causa não possui, como conhecimentos nas áreas de engenharia ou contabilidade. Nesses casos, o juiz nomeia um perito de sua confiança para analisar as alegações das partes (Autor e Réu) e proferir um parecer técnico. Esse parecer poderá ser levado em consideração pelo juiz para proferir a sentença.

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